O Mundo Sagrado do Novo Mundo

Por: Rabino Eliahu Birnbaum – Tradução de David Salgado

Manaus, Brasil – Parte II

Há duas semanas atrás começamos a nos aprofundar nas histórias de Manaus no Estado do Amazonas. Anunciamos três histórias diferentes e intrigantes que se entrelaçam entre o sagrado e o profano, entre a luz e a escuridão, entre Israel e os povos; histórias que nos ensinam sobre os traços da comunidade judaica de Manaus, no Amazonas, e abrem uma janela para a história judaica que deixou sua marca até os dias de hoje. Duas dessas histórias já contamos: o tsadik (sábio) que está enterrado em cemitério católico e o Sefer Torá português antigo. Agora vou saldar a minha dívida e me aprofundar nos acontecimentos da terceira história, história amarga e de difícil “digestão”. A realidade nua e crua das mulheres polonesas, “polacas”, as judias que foram trazidas da Polônia para o Brasil e América do Sul para se prostituírem. Aqui também, é tudo verdade, com comprovação documental e fotográfica.

Os judeus que imigraram para Manaus, preservaram o contato permanente com suas comunidades no Marrocos. Dentre muitos pretextos, este contato serviu para encontrar noivas para os jovens aventureiros que já não eram mais tão jovens assim, e haviam se tornados homens na Amazônia. Eles escreviam para suas mães pedindo que buscassem, para si mesmos, uma esposa entre primas e vizinhas conhecidas, objetivando constituir uma família judia. Até hoje, existem em Manaus, algumas pessoas idosas que sabem contar, que seus pais ou avôs se casaram após a noiva ter sido ‘encomendada’ do Marrocos.

Inúmeras perguntas foram enviadas a grandes rabinos e daianim (juizes) no Marrocos de todos os cantos, onde os Marroquinos viviam espalhados pela Diáspora. Em livros “shut” – perguntas e respostas – do Rabino Rafael Encáua e também no livro do Rabino Itzchak ben Ualid, “Vaiomer Itschak”, aparecem muitas questões que foram enviadas a esses sábios, especialistas na lei, por judeus das comunidades da Amazônia – Belém, Manaus, Itacoatiara e outras. Os judeus que escolheram ficar no Brasil continuaram ligados espiritualmente ao Marrocos.

O Rabino Rafael Encáua era conhecido em todo o Marrocos como “o Anjo Rafael”. Ele nasceu em 1848 e faleceu em 1935, quando tinha 87 anos. Em seu livro “Karnei Reem”, consta uma pergunta, da qual aprendemos sobre um fenômeno vergonhoso e difícil que acontecia em Manaus. E assim foi enviada a resposta do Rabino Encáua a pergunta dos judeus de Manaus no capítulo 25:

“Resposta para a comunidade do Pará no Brasil, sobre o que pediram para eu avaliar e dar minha deliberação sobre o assunto do “parochet” (cortina que fica na frente do Aron Hakodesh), que foi feito por mulheres prostitutas para a sinagoga e também sobre suas doações para a sinagoga, se é permitido receber delas ou não…”

É sabido que os livros de “shut” servem como fonte abundante para o estudo da história judaica em todas as épocas. Esta pergunta e sua resposta, mostram uma realidade vergonhosa que existia naqueles dias: mulheres judias que foram trazidas da Europa para trabalharem como prostitutas na cidade.

Quando perguntei para alguns membros da comunidade a origem dessa questão, eles souberam dizer que, entre as mulheres judias que se prostituíam em Manaus, algumas vinham, freqüentemente, ao presidente da comunidade na época dos Dias Temíveis (Iamim Noraim) e outros Chaguim (Festas), fazer suas doações para ajudar a preservar os serviços religiosos e de caridade na comunidade de Manaus. É possível, que deste modo, pensavam  estar se redimindo da profissão que exerciam e que lhes foi imposta por um triste destino.

Assim, por exemplo, é conhecida a senhora de nome Lola, que durante quase toda sua vida foi prostituta, porém, quando se aproximou o dia de sua morte, pediu para retornar e se juntar novamente ao povo de Israel, e deixou sua herança para a comunidade judaica de Manaus. Ela, porém, condicionou a herança, ao pré-requisito de puder ser enterrada como judia em cemitério israelita. Se não conseguiu viver sua vida como judia, pelo menos queria ser enterrada como tal, assim como seus pais e antepassados o foram. Essa situação, assim como muitas outras, são o pano de fundo para essas perguntas. Tentaremos entender a realidade histórica e comunitária que causou essa questão haláchica.

A história de milhares

Depois de muito refletir, decidi escrever nesse número, sobre uma das histórias mais tristes e vergonhosas da saga judaica na era moderna e que perdurou por muitas décadas: entre 1860 e 1930, milhares de pobres e jovens mulheres, que oscilavam pela Europa Oriental, foram vendidas por um preço satisfatório, para que se tornassem prostitutas em bordéis na América Latina e pelo resto do mundo. Não estamos falando de um fenômeno à margem, ou de algumas poucas pessoas, mas da venda de milhares de mulheres, entre 15000 e 30000, durante décadas.

Quando visitei Manaus, estava acompanhado de alguns membros da comunidade. Eles me mostraram uma praça onde funcionavam os bordeis e trabalhavam as ‘polacas’. Foi por este nome, que passaram a ser conhecidas todas as mulheres brancas da Europa Oriental que se prostituíam, sem levar em conta seu país de origem.

Também no cemitério católico, mostraram-me dezenas de sepulturas de ‘mulheres polacas’ que foram enterradas ali. Apesar da situação complexa e delicada que surgiu diante de meus olhos, para ser fiel a história, não temos alternativa, a não ser, conhecermos os detalhes deste difícil episódio. Provavelmente não traremos nada de novo, mas tudo foi e ainda é muito bem protegido.

Esta não é uma história de Manaus especificamente, mas de muitas cidades na América Latina, e até outros lugares, onde dezenas de milhares de mulheres se prostituíram sob a tutela de uma organização judaica de nome “Tzvi Migdal”. A ligação específica de Manaus com este episódio, fora o fato que acabo de retornar de uma visita a esta cidade, é que o início desse fenômeno acontece na época do florescimento econômico decorrido em Manaus, época em que os judeus na Europa Oriental se encontravam em uma enorme crise financeira. Já contamos no nosso artigo anterior, como a cidade de Manaus se transformou na ‘Paris da Amazônia’ e o quanto a moda européia influenciava os novos milionários. Logo, também no caso do ‘tráfico humano’, se assim podemos dizer, a chegada de mulheres brancas era bem quista numa sociedade que ansiava delinear -se européia e afastar-se de seu atributo indígena. Em 1897 as mulheres brancas ‘polacas’ eram as preferidas dos ricos habitantes de Manaus. Os ‘manauaras’ trocaram o apelido dessas mulheres de ‘polacas’ para ‘francesas’ no puro anseio de adotar a cultura francesa em sua totalidade.

Este grupo “Tzvi Migdal”, era uma organização que exercia o tráfico de mulheres. Seus membros colocavam ‘tefilin’ e construíram sinagogas, e suas histórias são vergonhosas e emocionantes ao mesmo tempo. Implicavam em muito dinheiro, políticos corruptos, tráfico internacional de mulheres, extrema brutalidade, estupro e falcatrua, e tudo isso bem ‘temperado’ com um condimento judaico, já que os chefes da organização nunca esconderam sua identidade, muito pelo contrário. Durante cerca de 80 anos, de 1860 em diante, esta organização judaica mafiosa seduziu, no melhor dos casos, milhares de mulheres jovens judias, inocentes e pobres da Europa Oriental, a praticarem a prostituição.
Originalmente a organização chamou-se “Organização para a Ajuda Mútua de Varsóvia”, e depois mudou o nome para “Tzvi Migdal”, em 7 de maio de 1906, após o embaixador polonês na Argentina ter apresentado queixa pelo uso do nome Varsóvia. O novo nome escolhido foi uma homenagem a Tzvi Migdal, conhecido também por Luis Migdal, um dos fundadores da organização.

Mais tarde a organização se dividiu, e um dos grupos originários dessa divisão encabeçado por Shimon Rubenstein, fundou uma outra organização com o nome “Ashkenazim”.

A “Organização Varsóvia” e depois “Tzvi Migdal” cuidou das regras do movimento e do trabalho em si; desde o lugar onde procurar pelas mulheres, até a beleza e o número de casamentos que eram necessários realizar; o preço de cada uma delas, pagamento de “propina” para a polícia, fiscais da receita e outros. Assim conseguiu, um bando de mal-feitores, que ficaram conhecidos como “cafetões”, sustentar uma organização mafiosa e de tráfico de mulheres durante anos, sem nenhuma interferência ou incômodo.

Entre os regulamentos encontrados no documento de fundação da Organização Varsóvia, encontramos um dos seus objetivos: “nosso objetivo é fundar uma organização conjunta para obras de caridade e ajuda em casos de doenças, e assim resguardar o auxílio mútuo e a solidariedade entre os membros da união”. Apesar de toda ironia, os próprios membros da organização foram quem desfrutaram dessa caridade e bondade.

O primeiro navio trazendo jovens mulheres judias chegou ao Brasil em 1867, e até 1913 a organização controlava centenas de prostíbulos em várias cidades brasileiras. Em seu ápice, após a Primeira Guerra Mundial,  dirigia “Tzvi Migdal”, bordéis em volta do mundo, desde New York até Xangai, incluindo África do Sul, Índia e China. O centro das atividades era na América do Sul, especialmente nas grandes cidades como Rio de Janeiro e Buenos Aires, mas também São Paulo, Manaus e Belém. “Tzvi Migdal” possuía mais de 3000 bordéis só na Argentina.

Muitas das ‘polacas’ chegaram ao Brasil através de Buenos Aires, capital da Argentina, onde a organização coordenava todas as atividades de suas filiais e representações do Continente. Em todas as filias, sejam na Argentina ou no Brasil, a organização operava escritórios , sinagogas, e cemitérios para o uso dos membros da união.

E foram ludibriadas

O modo de recrutar mulheres era assustador. Jovens judeus passeavam pelos bairros judeus na Polônia e na Europa Oriental, e se apresentavam como candidatos vindos dos Estados Unidos e da América do Sul em busca de ‘shiduch’ (casamento arranjado), principalmente em ambiente judaico, para não, Deus o livre, vir a se aproximar de uma não judia. Os noivos não eram exigentes e estavam dispostos a arrumar noivas de famílias pobres sem discutir muito o preço da ‘nedunia’ (costume onde a família da noiva teria que pagar um dote ao noivo). Os pais das candidatas se alegravam já que haviam encontrado um noivo que concordava receber um baixo valor de ‘nedunia’ por sua filha. Em pouco tempo, casavam-se os noivos e após receber seu dote combinado antecipadamente, embarcavam os recém casados, para a Argentina ou Brasil onde a esposa seria vendida por uma fortuna. Assim ganhava o cafetão três vezes: primeiro o dote dos pais da noiva, depois o dinheiro da venda da esposa e finalmente pelo trabalho que ela passava a exercer.

Em várias ocasiões os ‘emissários’ tinham ajuda de pessoas que faziam ‘shiduchim’ em Varsóvia, e que possuíam uma relação de jovens mulheres, adquiridas quando estas divulgavam em jornais judaicos em ‘idish’ na Polônia e na Europa Oriental, seu interesse em casar-se, nos chamados ‘anúncios de shiduchim’.

Outra fraude, era encontrar mulheres bonitas e oferecer-lhes casamento, geralmente realizado em uma cerimônia rápida e silenciosa, provavelmente sem registro no civil. Em muitas situações, o ‘emissário’ organizava um casamento falso com um rabino falso.

Nos bairros judeus, na Europa Oriental, não existiam registros de casamentos civis e freqüentemente as mulheres se encontravam com outras no navio já a caminho de seu destino. Não foi uma única vez, que descobriram, que no navio que haviam embarcado, o mesmo jovem, seu marido, havia se casado com trinta mulheres diferentes. Os cafetões guardavam os documentos de suas ‘esposas’, elas não tinham dinheiro, e não sabiam falar a nova língua, portanto não poderiam fugir ou abandonar o seu ‘trabalho’.

As meninas, na maioria 13 a 16 anos, arrumavam uma pequena mala, despediam-se de seus familiares em lágrimas e embarcavam nos navios para a Argentina, acompanhadas por um estranho e certas de que estavam viajando para um futuro melhor.

Sofia Samis, por exemplo, tinha 13 anos quando seu pai lhe arrumou um casamento com um estranho bem vestido de Ludz. Ela faleceu com 18 anos apenas. Seu ‘esposo’ era na verdade um ‘emissário’ da rede “Tzvi Migdal”. Samis se viu trancada num bordel, odiada e excomungada pelos respeitados membros da comunidade judaica da cidade, que se recusou até mesmo, enterrar a ‘imoral’ em uma sepultura respeitada.

As mulheres judias eram prisioneiras não apenas de seus ‘maridos’ judeus, que dominavam seus corpos e seus pertences, mas também prisioneiras em uma terra estranha, sem saber falar a língua, sem conhecer a cultura e as leis do país. Foram obrigadas a exercer a prostituição por toda a vida. Muitas delas se suicidaram, outras foram assassinadas por seus cafetões, e poucas conseguiram se livrar das garras da organização e levar uma vida em liberdade.

Espantoso é saber, que o modo de recrutamento das mulheres judias funcionou até o ano 1920, sem que nenhuma interferência ocorresse vinda das comunidades da Europa Oriental. É possível que a dificuldade de comunicação tenha ocasionado isso, e é possível também, que a enorme dificuldade financeira das famílias nessa região, tenha feito com que não ‘enxergassem’ o que estava ocorrendo. Em uma correspondência escrita por um rabino de uma dessas pequenas cidades em 1899 está escrito: ‘existe a necessidade de ver com os próprio olhos a triste situação e a pobreza das comunidades judaicas na Europa Oriental para entender que a viagem para Buenos Aires não é tão ruim assim’. Será que o rabino sabia que o significado de ‘viagem para Buenos Aires’ era a entrada para o mundo da prostituição, e preferiu, assim mesmo, a esta situação do que o flagelo na Europa Oriental?

No ano 1898, denunciou o Rabino Chefe da Inglaterra, Rabino Dr. Herman Edler, que os ‘shiduchim’ e casamentos de mulheres nas comunidades da Europa Oriental, tinham como objetivo final, a prostituição na América Latina. Essa denúncia, que foi assinada também pelo Rabino Chefe da França, Rabino Tzadok Ken, Rabino Moritz Gooderman de Viena, Rabino Israel Hildesraimer de Berlin, Rabino Hirsh de Hamburgo, Rabino Aronheich de Roma, não alcançou o sucesso desejado. Mesmo após este documento, o tráfico de mulheres continuou por várias décadas.

Uma das senhoras que encontrei em Manaus contou-me, que sua avó costumava ir para o porto da cidade e quando encontrava jovens mulheres descendo dos navios, tentava convencê-las a abandonar seus maridos, já que sabia o que lhes aconteceria. Porém, nenhuma jovem acreditava nela, e então elas continuavam em seu caminho para o sofrimento e a humilhação.

Cumpriam as suas obrigações religiosas

O lado mais surpreendente desta história triste, é a forte ligação que tinham os cafetões e as sacrificadas e humilhadas ‘polacas’ com o seu judaísmo.

As comunidades judaicas receavam ter contato com as ‘polacas’, que geralmente, pertenciam à classe baixa da sociedade local, e viam isso como um perigo para a sua subsistência.

As mulheres polacas, traziam perigo à possibilidade dos judeus serem absorvidos pela sociedade local, e desprezavam o bom nome dos judeus que eram conhecidos, geralmente, como pessoas de boa índole, o povo da Bíblia e o povo escolhido.

A estratégia das comunidades judaicas era estabelecer uma clara separação entre o ‘sagrado’ e o ‘profano’, como assim denominaram, para diferenciar entre eles e não causar confusão junto aos habitantes locais.

Por outro lado, providências foram tomadas pela comunidade judaica. Em 1885 surgiu a organização judaica para ‘proteção das mulheres e adolescentes’, que funcionou principalmente em Buenos Aires e tentou desmoralizar a ‘Tzvi Migdal’. A organização exigiu dos judeus, que não alugassem lojas e apartamentos para os donos da ‘Tzvi Migdal’, não recebessem doações monetárias deles, não deixassem que entrem em teatros judeus e não fossem sepultados em cemitérios israelitas.

Porém, essas medidas não influenciaram os negócios dos donos da organização ‘Tzvi Migdal’ e nem mesmo os afastou de seu judaísmo. Muito pelo contrário, eles construíram para si sinagogas e cemitérios e continuaram oferecendo suas doações generosas a toda comunidade e sinagoga que as quisesse receber. Como os leitores podem imaginar, as sinagogas precisavam de sustento para se manter e não dispensavam facilmente as doações dos cafetões. O momento da ruptura não foi quando proibiram a entrada dos membros da ‘Tzi Migdal’ em teatros judaicos em Idish, mas quando impediram o sepultamento em cemitério israelita. Isso nem os dirigentes da organização mafiosa e nem tão pouco as polacas, concordaram. Poderiam, até mesmo, ficar sem teatro e eventos comunitários, mas ficar sem o descanso eterno, isso é outra história.

Em 1916 um grupo de nove mulheres cafetãs judias do Rio de Janeiro, denominadas ‘Bondade da Verdade’, organizaram um programa para aquisição de sepulturas e outras necessidades religiosas para as mulheres polacas. Os objetivos por elas almejados em seu estatuto seriam: “construir uma sinagoga e aí dispor de todos os serviços religiosos judaicos, oferecer aos membros doentes e necessitados, tratamento fora da cidade com passagem de trem na terceira classe  e três liras esterlinas, oferecer aos membros enterro de terceira classe”. Em seu auge essa organização funcionou em algumas cidades, e alguns rabinos, já falecidos, trabalhavam para a ela.

Em 1916 elas compraram um terreno para o cemitério no bairro de Inhaúma no Rio de Janeiro, ali são encontradas, até hoje, 797 sepulturas de mulheres polacas. Todas em precária manutenção. As últimas covas datam dos anos 70 do século XX. Também no coração de um cemitério organizado e repleto de belas árvores em São Paulo existem 209 sepulturas anônimas, desfiladas em quatro fileiras.  Os nomes sobre as sepulturas se apagaram, apesar  de que, seja possível encontrá-los em documentos secretos do cemitério. Este é o lugar de descanso de algumas milhares de mulheres polacas. Por mais de cem anos, a comunidade judaica do Brasil preservou bem escondidas suas identidades. Até hoje é difícil saber quem são.

Lembro-me, que quando servi como rabino chefe no Uruguai, me espantei quando vi num canto do cemitério israelita, filas compridas de sepulturas afastadas e quase isoladas das demais. Ingenuamente,  pensei tratar-se de pessoas que se suicidaram e foram enterradas separadamente , porém uma rápida consulta me instruiu que tratavam-se dos responsáveis pela organização ‘Tzvi Migdal’, que atuavam também no Uruguai. A comunidade judaica não estava disposta a enterrá-los junto aos demais judeus falecidos.

Também na Sinagoga foram encontrados objetos dos líderes da organização e das ‘polacas’. Em determinado momento a organização ‘Tzvi Migdal’ construiu em Buenos Aires um belíssimo Beit Hakenesset, no qual, no segundo andar funciona um bordel(!). Com o fechamento da organização em 1930 a comunidade fechou a sinagoga e demoliu o prédio. Mais ao norte, no Rio de Janeiro, adquiriram os cafetões judeus, um prédio no centro da cidade e construíram ali uma sinagoga e seus escritórios.

Até que algo foi feito

Durante anos as atividades da organização “Tzvi Migdal” fluíram sem nenhum transtorno, já que os bordéis funcionavam, também, graças as pessoas do governo, juízes e jornalistas. Funcionários locais, políticos e oficiais da polícia que foram corrompidos. Os dirigentes da organização tinham fortes ligações em todo lugar. O movimento das mulheres judias para a América do Sul se dissipou nos anos 30 do século XX, após uma série de medidas contra “Tzvi Migdal” na Argentina, e após decisão do ditador brasileiro, Getúlio Vargas, de fechar as fronteiras para a imoralidade e os cafetões. Apesar disso, as organizações imorais judaicas funcionaram até o fim da década de 60 no Rio de Janeiro, São Paulo e nos portos de Santos e Manaus. Nesta época foi criada uma organização de mulheres polacas com o objetivo de ajudar as mais idosas em seu trabalho e sustento. As dirigentes desta organização vestiam em suas reuniões, fitas azuis e brancas e no início dos encontros, era hasteada a bandeira da organização em cores azul e branca com uma estrela de David no centro.

Em 1930, após décadas de sofrimento de milhares de mulheres,  uma delas, de nome Rachel Liberman, decidiu por um fim a organização “Tzvi Migdal”, e foi a polícia para dar queixa. Liberman nasceu na cidade de Ludtz, chegou a Buenos Aires após um ‘shiduch’ (casamento arrumado) e foi obrigada a se prostituir. Após anos trabalhando, conseguiu economizar algum dinheiro e decidiu ser uma mulher livre e levar uma vida autônoma e sossegada. Porém, a direção da organização receou que ela pudesse servir de exemplo para outras ‘polacas’ que tentariam parar de trabalhar como fez Liberman. Um jovem judeu de nome Salomon Koren, foi recrutado para seduzir Rachel e oferecer-lhe casamento. Após a ‘chupa’ na sinagoga, ele a obrigou a voltar ao seu trabalho nos bordeis. Apesar do perigo que estaria correndo, Rachel entendeu, que o único caminho possível para se ver livre daquela vida, era ir a polícia. E assim, graças a sua queixa, foi aberto um inquérito abrangendo as atividades da organização na Argentina, Brasil e em outros lugares. Mais de 100 pessoas foram presas e outras muitas fugiram para o Uruguai e distintos países.

Na história geral e na história judaica em particular, nos deparamos, às vezes, com situações irônicas até demais. Pura ironia, que as causas principais do fim do processo de prostituição de mulheres judias, foi o fechamento das fronteiras européias devido a Segunda Guerra Mundial juntamente com a incursão da polícia local aos bordéis da América Latina.

Durante todas as décadas de existência dessas organizações imorais, a resposta das comunidades judaicas nos vários países e no mundo todo ao fenômeno das ‘polacas’ e seus sofrimentos, tardou a chegar. O fato era conhecido, todos sabiam, e todos calaram. As comunidades escolheram esconder o que estava ocorrendo, por receio de má fama, apesar do sofrimento ocasionado as ‘bnot Israel’ (filhas de Israel). O segredo continua envolvendo a história da indecência judaica na América do Sul, já que poucos foram os que ousaram publicar essa história até hoje. Este episódio sombrio, não acrescenta reverência nem respeito à história judaica, porém, esperamos que ao menos, seja escrita e preservada nos livros de história.