História dos Judeus do Estado do Pará

Por: Rubem David Azulay

Os primeiros judeus que chegaram à Belém são de origem marroquina. As pesquisas, nesse sentido, levam-nos a constatar ser o Sr. José Benjó o primeiro judeu a chegar a Belém, no ano de 1823. Montou sua loja na Rua do Pelourinho (hoje, Rua 7 de Setembro). Há informações de que José Benjó seria o primeiro judeu que solicitou, em 1823, sua naturalização e licença para estabelecer sua casa comercial. Há referência de que outro Benjó, de prenome Simão, teria recebido do Governo Imperial do Grão-Pará, Marechal Francisco D’Andrea, em 4 de julho de 1838, a licença para comerciar no Largo do Pelourinho.

Em relação ao gênero feminino, sabe-se que a primeira mulher a se estabelecer em Belém foi Myrian Sebah.

Porquê os judeus marroquinos foram para a Amazônia, sobretudo, Belém do Pará? Eram pobres no Marrocos e, além da pobreza, havia a perseguição. Buscaram a Amazônia. Seria outra “Terra da Promissão” ?

A explicação para essa migração teve base jurídica na Carta Régia de 1814 do Príncipe Regente D. João que abria os portos brasileiros “a todas as nações amigas sem exceção”. O boom da borracha (1850-1910) foi tambem atrativo. Diga-se, de passagem, que os judeus marroquinos se originaram de espanhóis e portugueses refugiados da Inquisição.

Vale ressaltar o espírito religioso do judeu, pois, em 1824, o marroquino Abraham Acris fundou a primeira sinagoga: Essel Abraham cujo significado é arvoredo de Abraham Abinu, primeiro patriarca do povo judeu. Foi instalada inicialmente à Travessa Santo Antonio. Esta sinagoga se mantém até nossos dias, à Rua da Campos Sales. Esta é a Sinagoga que meus pais freqüentavam e onde, em 1929, fiz meu Bar-Mitzváh. Sessenta e cinco anos após a fundação da primeira sinagoga ou seja, em 1889 formou-se uma Segunda Sinagoga, denominada Shaar Hashamaim (Porta do Céu). Quando criança, assisti a mudança desta Sinagoga de um sobrado do Largo da Trindade para uma casa à Rua Frutuoso Guimarães; dessa casa, mudaram para a Rua Arcipreste Manoel Teodoro, onde permanece até hoje. Gravei em minha memória o transporte dos sefarim carregados por judeus, pelas ruas, até o novo local. Em poucas décadas, em Belém, já residiam inúmeras famílias judias provenientes de Marrocos.

Nessa época, o comércio entre Belém e as outras cidades paraenses situadas nos Rios Amazonas e Tapajós era realizado, sobretudo, pelos “Coronéis de Barranco Cearenses e Nordestinos”. Esse monopólio, entretanto, foi atingido pelos judeus que criaram os “regatões”, ou seja, utilizavam batelões para o comércio entre Belém e as cidades do interior. Levavam mercadorias manufaturadas que eram trocadas por borracha, couros de animais silvestres, castanha, capaíba e outros. Essa concorrência despertou o anti-semitismo regional: “Morte aos Judeus” na cidade de Cametá e em outras cidades ribeirinhas. Os judeus marroquinos não desistiram e mantiveram-se ciosos de seu comportamento de modo a existirem nessa ocasião, as seguintes firmas: Leão Israel e Irmãos, Levy Marques e Cia, Salomão J. Acris e Cia, Marcos Bensimon e Cia, e outros.

Data histórica de real importância foi a da criação do primeiro cemitério judeu, em 1842, chamado da Soledade, situado na Av. Serzedelo Correia com Soledade. Lá, há 28 sepulturas: a primeira é a de Rabi Mordecai Hacohen, falecido em 1848. Necessário se torna referir o sepultamento de três pessoas no Cemitério dos Ingleses,  defronte ao da Soledade.

O segundo cemitério chamou-se Cemitério Judeu Antigo do Guamá. Nele foi enterrado o Sr. José Benjó (11/11/1899), o primeiro judeu de Belém. Lá estão enterrados, no período de 1883 a 1969, 566 judeus; destacamos a sepultura de Sol A . Garson (1907), minha avó. Lá, também, estão enterrados Esther Serruya (1927) e Abraham Serruya (1929), avós de minha esposa Esther Serruya.

O terceiro foi o Cemitério Israelita Novo Guamá, inaugurado em 1940, com o primeiro sepultamento de Jacob Abitbol (1940) e em 1997 com o enterro de Aida Benchimol  (28/11/1997). Total de sepulturas: 492. Somando-se as sepulturas de Belém com as outras cidades do Pará, o número de sepulturas vai a 1253 (até 1997).

Escrevemos sobre as Sinagogas e os Cemitérios. É interessante ressaltar o aspecto cultural. Em 1919 já havia colégio dedicado ao curso primário intitulado Externato Dr. Weizmann que albergava cerca de setenta crianças judias e não judias. Foi fundado pelo Major Eliezer Levy (1872-1947) que, também, criou o jornal “Kol Israel” que funcionou durante 8 anos (1918-1926). O Instituto Histórico do Pará, em 1920, considerou o “Kol Israel” como um dos jornais impportantes do Norte do Brasil.

Em 1918 foi fundado o Comitê Sionista “Ahavat Sion” (amor a Sion).

Migração e Bar-Mitzváh: Na época da migração marroquina, os jovens faziam o seu Bar-Mitzváh e migravam para o Pará. Meu pai é um exemplo típico dessa situação. David Rubem Azulay, nasceu em Tetuan em 1883 e fez seu Bar-Mitzváh em 1896 para migrar para Belém do Pará. Naturalmente, veio acompanhando uma leva de judeus para o Pará. Meu pai contou-me que fôra de Tetuan para Tanger onde tomou o navio em direção a Belém; o judeu mais forte de Tetuan o levou em sua carroça. Chamava-se Salomão Nahon. Guardei esse nome porque em Belém havia um Salomão Nahon muito alto e forte. Fui a Tetuan com minha esposa e filhos para ver a terra onde nascera meu pai. Ao chegar em Tetuan fui informado que havia a “judiaria” e a “moreria” e que, de quando em vez, havia briga entre eles. Nosso guia era pessoa de idade e nada soube informar a respeito de meu pai. Às 5 horas da tarde ao terminar o seu seriço de guia, despediu-se e disse-me que ia à casa de seu pai. Refleti, no momento, que talvez seu pai soubesse algo a respeito do meu. Solicitei-lhe que me levasse ao seu pai, o que foi feito. Apresentou-me e, então, perguntei-lhe se havia conhecido meu pai. Imediatamente respondeu-me: – “Conheci-o” e acrescentou: – “Levei-o a Tanger para embarcar”. –”Seu nome?”, perguntei-lhe. Salomão Nahon. Fiquei arrepiado. Solicitei-lhe que me informasse a casa em que nascera meu pai. Orientou seu filho (o guia) para ir ao local. A casa estava habitada por um árabe. Solicitei-lhe permissão para visitar a casa, o que foi negado. Disse ao meu guia: -“Vou entrar de qualquer maneira”; eu estava errado, mas não havia outro meio. – “Não!”, respondeu-me o guia. – “Ele pode matá-lo”. Invadi a casa e o árabe atrás de mim para impedir-me. Era uma casa pequena feita com pedras grandes; na época não havia tijolos.

Visitei o cemitério de Tetuan onde vi as sepulturas dos Azulay que originaram meu pai. O mesmo fato ocorreu com outras famílias. Devemos salientar que nessa época (1810 – 1820), a população de Belém era em torno de 25.000 habitantes. Atualmente é, aproximadamente, de 1.500.000 habitantes. Os judeus também procrearam de modo a haver, atualmente, em Belém, cerca de 370 famílias ou seja cerca de 1480 pessoas.

É verdade, também, relatar que várias famílias judias de Belém, procurando melhorar de vida, migraram para o Rio de Janeiro. Destacamos as seguintes famílias, tanto quanto possível, em ordem cronológica: Abensur, Amar, Serruya, Garson, Levy, Benzecry, Benoliel, Abecassis, Benarrosh, Benjó, Ezagui, Benchimol, Obadia, Eshriqui, Azulay, Zagury e outras. Associaram-se à  Sinagoga União Israelita Shel Guemilut, onde persistem até hoje e procuraram desenvolver essa entidade. Citaremos como exemplo Rubem David Azulay e Miguel Benjó; ambos exerceram a presidência da U.I.S.G.H. por cinco mandatos. Nossos filhos e netos, felizmente, estão seguindo essa linha de conduta para felicidade nossa e dos futuros seres humanos. 


* Professor Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade Federal Fluminense. Professor Titular da Fundação Técnico Educacional Souza Marques e da Universidade Gama Filho. Chefe do Instituto de Dermatologia do Hospital da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro. Ex-Presidente da Academia Nacional de Medicina.