Haquitia: Nosso Dialeto Quase Perdido (I)

Por: Yehuda Benguigui

 “…aos que entre familiares, parentes e amigos, nos referíamos como “los nuestros”, eramos os sefaradim do Norte do Marrocos – o pequeno grupo de judeus que viviamos nas cidades de Tetuan, Tânger, Larache, Alcácer, Arcila, Chauen, Ceuta, Melila e também Gibraltar – os descendentes dos expulsados de Espanha de 1492 e que seguiamos falando o “espanhol”, mas que de fato era um idioma muito especial, chamado Haquitia…
 

Era um grupo que tinha consciencia de sua identidade distinta, orgulhoso de seus costumes e valôres, mas muito pouco conhecido no exterior e que nunca chamou atenção aos investigadores até muito recentemente, e cuja saga e história, ainda não foi verdadeiramente escrita….”

Alegria Bendayan de Bendelac (a).

As “djudeolenguas” dos judeus  sefaradim na Idade Média 

Os judeus viviam na Idade Média numa situação de isolamento físico, em relação aos cidadãos de outras religiões, reclusos em bairros especiais. Esse fato, trouxe em conseqüencia um isolamento social, cultural, econômico e também lingüistico.

Os judeus desenvolveram assim, umas formas características de comunicar-se entre si, tanto pelas peculiaridades e circunstâncias culturais como também por um sentido de autodefesa, para poder comunicar-se sem ser entendido pelos que os cercavam, que quase sempre os tratavam com atitudes hostis ou discriminatórias.

Nasceram assim, o que muitos eruditos modernos passaram a classificar como judeolínguas, ou como no original  em ladino, “djudeolenguas”, que eram variedades do idioma da cultura dominante, utilizadas na vida social, familiar e comunitária das “juderias”,  “Melahs”e no caso dos ashkenazim, nos “guetos” e “Shteitels”.

Sabe-se por exemplo, que a comunidade judaica de Roma falava já nos tempos do Império um latim com características bem específicas. Entre os ashkenazim, a judeolíngua é representada pelo idish, que é derivado do alemão, com muitas palavras do ivrit com pronúncia ashkenazí. Constam, judeolínguas paralelas ao francês medieval e ao provençal. Os judeus do norte da África falavam uma variedade específica do árabe, ou “arbía”.

Dessa maneira, o “djudeoespañol”, o idioma dos judeus  sefaradim, foi outra dessas judeolínguas.

Antes da expulsão dos judeus da península ibérica, os mesmos falavam um espanhol peculiar, determinado sobretudo por razões religiosas. O uso da expressão “el Dio” ao invés de “Dios”, cuja letra “s” final parecia sinal de plural, o que seria incompatível com as bases do monoteísmo. Para não referir-se ao “domingo” da fé cristã, o indicavam com uma palavra de origem árabe “alhad”, que posteriormente originou a expresão “noite de alhad”, para referir-se a “motzaei shabat”, a noite da saída do sábado (b).

O “ladino”, deriva do espanhol da palavra “latino”, de fato era a forma como os judeus sefaradim utilizavam para transliterar as palavras do espanhol ou do “djudeoespañol” a textos litúrgicos em caracteres hebraicos.

Em sua origem, se tratava na verdade de um idioma artificial, que em princípio foi criado com  finalidade pedagógica: o hebraico havia deixado de ser o idioma de comunicação do povo já na Idade Média e a maioria dos fieis era incapaz de captar o sentido dos textos religiosos. Assim,  paulatinamente se recorreu ao artifício de transliterar os textos sagrados, escrevendo com palavras castelhanas, respeitando a sintaxe hebraica, para que o texto assim “ladinado”, servisse de guia a estudantes, fieis em geral, hazanim, etc. A raiz desse uso, o ladino entrou também na liturgia. E assim começou a ser também uma língua de comunicação. Ainda que não se conservaram textos medievais em ladino, se conhecem os primeiros livros impressos no século XVI. Nestes, os editores fazem referência a traduções antigas, peninsular e medieval, como por exemplo a “Biblia de Ferrara”.

Dessa forma, o espanhol antigo que os sefaradim utilizavam para comunicar-se era conhecido como “judesmo” e posteriormente também chamado de “judeoespanhol”, uma das “djudeolenguas”. O “ladino”, que era uma forma de transliteração ao ivrit utilizando o alfabeto Rashí, passou a representar todas as formas de “judeoespanhol” falado pelo judeus sefaradim nos diferentes países (Turquia, Balcans, Norte da África, etc), excluindo-se nesse caso a Haquitia, falada pelos judeus do Norte do Marrocos (c).

A Haquitia, o judeoespanhol do Marrocos

A etimologia da palavra Haquitia (*) é incerta. Alguns a interpretam como derivada de “haquito”, diminutivo de Ytzchak , Isaac, entendido como “um judeu”qualquer. Outros opinam tratar-se de uma derivação da palavra árabe “hekaia”ou “hakaita” (dito agudo ou engenhoso). Em qualquer dos casos, trata-se de um termo afetivo com um certo toque de humor, que refletia exatamente como o sefaradi marroquino  carinhosamente se referia a sua língua.

(*)- Existem varias formas gráficas como o dialeto é referido: Haquitia, Hakitia, Haquetia, Jaquetia, etc. Optamos por “Haquitía”, que é como encontramos  no Dicionário da Real Academia Espanhola como verbete: “Haquitia- dialecto judeoespañol hablado en Marruecos”.

A grande dificuldade na determinação ampla da Haquitía e suas características, é determinada por dois fatores: a escassês de testemunhos documentais de como era a língua até o século XIX e a desaparição praticamente do dialeto nas últimas décadas do século XX. Enquanto que o judeuespanhol ou ladino falado pelos sefaradim de vários países do Oriente foi amplamente documentado por textos impressos no passado, tal não ocorreu com a Haquitia, pelos seguintes aspectos: em vários países do Oriente houveram grandes centros e casas editoras, quase todas inclusive controladas por judeus até o século XVIII. No Marrocos, não houve esse desenvolvimento editorial, sabendo-se que os livros de liturgia, sidurim  mahzorim, eram publicados em Livorno,  Italia. Assim,  os textos em Haquitia,  se transmitiram basicamente por duas vias: manuscritos para uso pessoal ou familiar e a tradição oral.

Os manuscritos, obviamente tiveram conservação limitada, dado principalmente sua característica de exemplar único e efêmero. Já a transmissão oral, tem limitantes muito mais profundas pela perda de conteúdo para cada geração, levando a situação presente de sua quase desaparição.

A Haquitia sofreu dois golpes entre o final do século XIX e o início do século XX: com a chegada de funcionários espanhois e suas famílias em grande quantidade durante a época do Protetorado Espanhol no Norte do Marrocos, ocorreu o fenômeno de uma “reespanização” dessas comunidades, sobrepondo-se pouco a pouco a forma de comunicação cosiderada mais arcaica da Haquitia. Por outro lado, o fenômeno da  imigração dos judeus marroquinos num crescente, especialmente na segunda metade do século XX a diferentes localidades, provocou a quebra de massas críticas populacionais e comunitárias, que falavam o dialeto.

Por outro lado, a presença francesa em parte do Marrocos e a ação das escolas  da rêde da “Aliança Israelita Universal”, contribuiram também para cosmopolizar os sefaradim, favorecendo a que abandonassem o dialeto. Consta, que já em 1862, depois que uma escola da Aliança foi estabelecida em Tetuan, enquanto as pessoas maiores de quarenta anos seguiam comunicando-se no Melah, em perfeita Haquitia, os jovens se expressavam em um fluente francês, sem nunca terem se ausentado da cidade.

A base da língua era o espanhol em sua versão medieval, muito preservado nas versões de judeolínguas da Turquia e Oriente.  No caso do Marrocos, foi um processo dinâmico de construção do idioma, que foi influenciado pelas correntes  migratórias.  É interessante notar-se certos vocábulos como “ueno”por “bueno”, “fraguar” por “construir” que originou a expressão  “fragüância”, “esnoga” para sinagoga, etc. (d).

É marcante, a influência da liturgia religiosa, com expresões em hebraico e aramaico. Palavras do lexico hebraico são compatíveis com conceitos semânticos da vida religiosa do cotidiano, como “se’ma” referente a “shemá”,  “kohen”, “dinim”, “besimantô” em lugar de “be siman tov”, “meguilá”, “galut”,  “malach”, “goel”, “mazaltó” por “mazal tov”, “mizvá”por “mitzvá”,  “mizmará” por “mishmará”, bem como outras que vem do ivrit, estando esta origem de certa forma camuflada ou modificada, como por exemplo: “chozmin” vem da expresão hebraica “chutz min (hashulchan)”,  “sachen ou sachená” vem de “shachen”, “habreado” é  originado de “chaver”,  “sachór” equivale a “shachór”,  “tanid”para “taanit”,  “sadiká” para “tzadekét”, “tissabeá” ou “dissabeá” para “Tishá beAv”, “hossaná” para “Rosh Hashanáh”, etc. Por outro lado,  várias expressões em hebraico, que já estavam no plural, ganharam na Haquitia uma roupagem com nova pluralização, como: “tefelin”, que passou a ser “tefelimes”, “tefelines” ou “tefelins” indicando a cerimônia de Bar Mitzvah, “kahal” passou a “cahales”, etc (e)

Do arbía, árabe falado pelos judeus, as inúmeras expressões absorvidas como têrmos comuns pela Haquitia, podem ser exemplificadas por: “alhad” para designar o domingo ou o motzaei shabat “noite de alhad”, “ftenear”, “shofear”, “guezdrear”, “hadrear”, “hamshush”, “heal”, “meldar”, “mochlato”, “shenfeado”, etc. Nome de alimentos como: “adafina”, “mukalé”, “ourissa”, “mufleta”, “frijuelas”, etc.

Dentro do folclore que envolve a Haquitia, haviam pelo menos dois tipos amplamente citados na literatura, com muitos episódios cheios de humor que os cercavam: trata-se de Djoha e Yussico. Djoha era uma figura conhecida em Tânger, Alcacer, Chauen, Larache, Asilah e Melila, enquanto Yussico era o personagem típico de Tetuan (m).

Iremos incluir na planificação editorial futura de nossos artigos acerca deste tema, matéria alusiva a essas figuras, o que poderá certamente despertar em famílias originárias dessas cidades do Marrocos, alguma informação ou lembrança que tenham recebido de seus ancestrais.

A mais antiga e completa recopilação de dados, gramática e expressões sobre Haquitia, sem nenhuma duvida, está incluída no já clássico estudo de autoria de José Benoliel, que embora publicado em separatas no período entre 1927 até 1952 nos Boletins da Real Academia Espanhola, em Madrid, na verdade reflete a maneira de falar a Haquitia em Tânger, no final do século XIX (e).

Inúmeros outros autores estiveram produzindo importantes contribuições acerca do tema, no Marrocos, Espanha, Venezuela, Israel, etc.

Alegria Bendayan de Bendelac, originária de uma família de Tetuan, se criou em Tânger, onde sua família se instalou e onde passou sua infância. Radicou-se na Venezuela e posteriormente nos Estados Unidos, e como professora da Penn State University se dedica desde os anos 80 ao estudo da Haquitia, havendo publicado  obras de grande relevância ao tema e aqui referidas (a, d).

Entre nós, a importante recopilação do General Abraham Bentes z’l  “Os Sefaradim e a Hakitia” publicada em 1981, foi o início do processo amazônida de resgate acerca do dialeto (f). Posteriormente, várias outras menções existem, como citações do Prof. Samuel Benchimol z’l em sua excelente obra “Eretz Amazônia” (g) e mais recentemente, em 1999, a tese de mestrado de Adriana dos Santos Romero com o titulo “A sobrevivência da Música Tradicional Sefardita dentro das Comunidades de São Paulo e Belém do Pará”,  que me chegou às mãos, por cortesia do conterrâneo antropólogo e pesquizador Wagner Arieh Bentes Lins (h).

A Haquitia e as comunidades judaicas da Amazônia

As comunidades judaicas do Pará e Amazonas, sendo oriunda de judeus Marroquinos, muitos deles das cidades do norte do país, justamente das áreas onde a Haquitia floresceu e se consolidou como dialeto da comunidade, naturalmente no séculos XIX e primeira metade do século XX, ainda com  pioneiros marroquinos que aqui vieram e as primeiras gerações aqui nascidas, dominavam perfeitamente a Haquitia e a usavam como meio de comunicação corrente. Era um instrumento importante para comunicar-se sem que os de fora soubessem do que se estava falando.

A transição cultural, em que as novas gerações passaram de comércio e negócios, para profissões liberais, assimilação, etc. foi paulatinamente fazendo com que a Haquitia deixasse de existir como o idioma familiar, limitando-se a umas poucas expressões que vão diminuindo em escala geométrica de uma geração a outra.

Outro fator foi o acesso ao Ivrit, que fez com que muitos jovens passassem a ter o hebraico como instrumento de comunicação e de identificação judaica.

Como surgiu meu interesse no tema

Pelo lado paterno, sou de primeira geração nascido no Brasil, e ainda que meu pai Moysés Benguigui bar Shalom z’l, nascido em Salé, Marrocos, fosse “forastero” (ver ampliação do conceito no “Amazônia Judaica”, edição número 6 de Setembro 2002, “Em busca de minhas raízes”), detinha um conhecimento profundo acerca das expressões hebraicas incluídas  na Haquitia,  e de quem tive oportunidade de aprofundar meus conhecimentos.

Pelo lado materno, sou segunda geração e herdei uma respeitável quantidade de expressões em Haquitia que juntamente com meus irmãos, crescemos escutando e utilizando habitualmente nas conversas familiares, liderado por minha mãe, Esther Alves Benguigui z’’l, quem verdadeiramente forjou nosso conhecimento de termos da  Haquitia e sua precisa utilização.

Minha esposa Aziza Serruya Benguigui, também é de primeira geração nascida no Brasil, pelo lado paterno. Seu pai, David Jacob Serruya z’l, nasceu justamente em Tânger e passou parte de sua juventude em Casablanca, antes de vir ao Brasil. O Sr. David, durante mais de 60 anos vivendo em Belém, jamais deixou de falar com pronuncia um tanto quanto “espanholada” e ao mesmo tempo preservando o vocabulário de Haquitia. Aziza conviveu também com seus tios e tias, igualmente vindos do Marrocos e que versados em Haquitia,  a utilizavam de rotina  em suas conversações em família. 

Na maioria das casas na comunidade, o uso da Haquitia servia para preservar uma certa privacidade em relação aos empregados da casa, vizinhos e em particular das empregadas domésticas.

Não era raro alguém dizer: “shofea la sachenita” e todos entendiam que se deveria imediatamente observar o que a empregada estava fazendo, etc. Ou no caso de dar alguma referência, mesmo com a presença de quem se tratava: “… ela é muito boa, eu a recomendo, é chalampona e tudo o mais…” ou então,  “…ela é ótima…, muito chozmina,…” e estava tudo explicado…

Muitas vezes,  este estrategema do uso da Haquitia somente servia durante algum tempo. Como as empregadas costumavam muitas vezes tornar-se “cria da casa” e quase serem incorporadas aos costumes da família, depois de alguns anos, também se tornavam  versadas em Haquitia e se referiam aos termos mais comuns sem nenhuma dificuldade.

Outro fato interessante, era o de que há cerca de 30 ou 40 anos atrás, os jovens da comunidade, a turma do “grêmio” ou do “senado”, utilizavam com freqüência termos de Haquitia em suas conversações coloquiais e inclusive os colegas, amigos e contemporâneos não judeus, passavam a conhecer e utilizar vários dos termos. Durante vários anos, na coluna “Reporter 70” de “O Liberal”, era comum encontrar-se expressões como “maót”, “chozmin”, etc.

Um fato curioso, eram as cartas que circulam de tempos em tempos. A origem das cartas, muitas delas fictícias, escritas como exemplo de como se utilizam os vocábulos da Haquitia. São de data relativamente recente e todas com um caráter fortemente humorístico. Para obter um efeito cômico, os redatores utilizam uma concentração de palavras ou expresões empregadas na Haquitia.

Pretendemos numa proxima abordagem, publicar três dessas cartas, a primeira, de autor desconhecido que circulou há alguns anos passados no Rio de Janeiro. Uma outra carta fictícia, elaborada pela escritora Sultana Levy Rosenblatt, que também circulou pelas comunidades de Belém, Manaus e Rio de Janeiro. Segundo a autora me informou, a concepção da carta, foi justamente com o objetivo de ilustrar a uma pesquisadora da Universidade de Maryland, interessada em escrever um artigo sobre a Haquitia. Diga-se de passagem, além de haver exitosamente ilustrado e permitido a pesquisadora elaborar um excelente “essay” a respeito, D. Sultana brindou-nos um importante exemplo de adequado uso dos termos e expressões comuns da Haquitia, havendo prestado uma relevante contribuição para a preservação de nosso dialeto. A terceira, é uma carta autêntica, escrita no início do século, emitida de Tânger a uma irmã que veio ao Brasil, em 1914. A carta foi publicada recentemente em “Aki Yerushalaim”, com autorização da família, para fins de pesquisa e documentação da Haquitia.

Assim, no nosso caso em particular, tivemos o privilégio de haver continuado a utilizar inúmeras expressões comuns de Haquitia no seio familiar e em conseqüência, fizemos  com que nossos filhos, que ainda são segunda e terceira geração  pelo lado paterno e materno respectivamente, compreendam o sentido e utilizem corretamente vários dos verbetes mais comuns.

Assim, depois de residir por cerca de 15 anos em outro país, juntamente com Aziza,  passamos a observar sempre que regressamos a Belém, um nível de desuso gradativo, ou falta de conhecimento , entre nossos parentes, amigos e  membros da comunidade em geral, nos últimos dez anos,  em especial entre as novas gerações. Restando no entanto, um grupo cada vez menor, que  utiliza regularmente alguns têrmos em seus diálogos e comunicacões.

Desta forma, decidimos iniciar uma pesquisa para em primeira instância, conhecer com detalhes como estaria essa situação,  comparando algumas variáveis, como: proporção de palavras e significados conhecidos versus o número de gerações antepassadas nascidas no Brasil; grau de coerência entre o vocábulo e o respectivo significado; conhecimento acerca da cidade do Marrocos que seu(s) ancestral(is) era oriundo; referência a pessoas que acredita serem conhecedores de Haquitia na comunidade; comparação do perfil de conhecimento do dialeto pelas famílias residentes na Amazonia, com os descendentes atualmente radicados em outras cidades e países, bem como comparar com o grau de conhecimento e uso atual da Haquitia, por parte dos judeus remanescentes em Tânger e Tetuan, no norte do Marrocos, berço do dialeto.

Este trabalho inicial já alcançou cerca de 100 pessoas entrevistadas que se dispuseram a contestar individualmente o formulário proposto pela pesquisa. Os entrevistados estão divididos por grupos etários, de menos de 18 anos, 19 a 30 anos, 31 a 60 e 61 e mais. A amostra até o momento, está constituida por cerca de 50% de pessoas de Belém e a outra metade, procedente de outras localidades como Santarém, Manaus, Rio de Janeiro e de outros paises como: Venezuela, Israel, Estados Unidos e Marrocos.

Consideramos que estamos no início dessa jornada, já que a idéia é ampliar o universo de partícipes do estudo, com vistas a obtermos dados mais amplos e representativos desse processo de quase desaparecimento da Haquitia.

Graças a boa acolhida do tema com o Sr David Salgado, Editor do Jornal Amazônia Judaica, se propôs utilizar a capilaridade e acesso desse periódico à comunidade de judeus amazônidas e seus descendentes espalhados pelo mundo, no sentido de ampliar o universo do estudo. Desta forma, junto a esta edição, se está incluindo um exemplar do formulário da “Pesquisa sobre Haquitia”, que deverá ser preenchido individualmente e enviado a redação do Jornal, quando procederemos num prazo de cerca de 30 dias, a tabulação dos dados para passarmos a fase seguinte. A colaboração de cada leitor do Jornal será fundamental, contestando a pesquisa através do preenchimento do formulário, para conseguirmos recuperar as informações básicas acerca de nosso dialeto – a Haquitia. Podem ser feitas quantas cópias sejam necessárias, para que diferentes membros da família possam participar individualmente do estudo.

É inevitável o desaparecimento da Haquitia?

Acreditamos que absolutamente, não é inevitável o desaparecimento da Haquitia!

Neste momento, existe um movimento a nível internacional para a preservação das judeolínguas dos sefaradim. O ladino ou djudeoespañol conta neste momento com uma  relevante quantidade de publicações e boletins períodicos editados em vários países, cursos de gramática  para monitores e professores de ladino realizados periódicamente em Jerusalém,  uma revista semestral “Aki Yesrushalaim”, publicada em Israel e inclusive um horário semanal na rádio estatal israelense “Kol Yisrael” totalmente em ladino. Por outro lado, o ex-presidente de Israel Ytzchak Navón, é o presidente honorário do movimento para resgatar o djudeoespañol.

Desta forma, queremos propor, com o apoio do Editor do “Jornal Amazônia Judaica”, como já mencionado, uma série de pelo menos cinco medidas com o objetivo de resgatarmos para as próximas gerações, o legado de nossos antepassados do Marrocos, o dialeto “Haquitia”:

1-Pesquisa sobre Haquitia – A idéia é expandirmos as 100 entrevistas já coletadas utilizando o formulário específico, incluindo todo o universo de leitores do “Amazônia Judaica”.

Com este propósito, anexo a esta edição se está enviando cópia do Formulárioque  se agradecerá seja preenchido individualmente e devolvido à redação do Jornal, para ser consolidado nos próximos 30 dias. Essas informações são fundamentais, para estabelecermos uma adequada linha de base acerca da situação atual da Haquitia nas comunidades judaicas da Amazônia e entre seus descendentes, onde quer que se encontrem.

2- Publicação de nossa autoria, de uma série de artigos na seqüência “Haquitia: nosso dialeto quase perdido”, onde continuaremos a aprofundar os conceitos, passar listados de expressões e verbetes comuns de Haquitia como falado pelas gerações passadas da Comunidade, bem como informar acerca dos resultados e dados consolidados da pesquisa sobre o tema.

3- Criação de um espaço para publicação periódica da coluna “Cantinho da Haquitia”, onde estaremos estimulando os membros da comunidade e os leitores do “Amazonia Judaica”, em geral,  a enviarem suas contribuições em forma de: relatos com expressões em Haquitia, experiências, ocorrências humorísticas, cartas reais ou fictícias escritas em Haquitia, os famosos “refranes” adágios e frases feitas para situações especificas,  enfim, um espaço aberto para documentarmos e recuperarmos todos os traços idiomáticos da Haquitia ainda existentes entre nossos correligionários. O grande desafio, é passarmos todo este potencial, de um estado latente a um processo renovador de utilização de nossa cultura popular amazônida-judaica-sefaradi-marroquina, para as próximas gerações.

4- Publicação em forma de livro de um guia prático sobre a Haquitia, como falada pelas comunidades da Amazônia, descendentes dos judeus do Marrocos, incluindo cerca de 500 verbetes, representativos das expressões mais comumente utilizadas. A idéia é dispôr da publicação em um período não superior a um ano, a fim de que a mesma se constitua em um instrumento útil neste processo de resgate da Haquitia.

5- Estimular-se através de diferentes mecanismos, a utilização no cotidiano, especialmente com as novas gerações, as expressões comuns e vocábulos conhecidos de Haquitia nas situações apropriadas. Sugerir a inclusão nas programações educativas e culturais das várias instituições da comunidade, como: Grupo Kadima, Wizo, Pioneiras, etc, a discussão e análise em grupo, os artigos e produções acerca da Haquitia, criando-se assim, espaços onde o tema possa ser incluído no costume e na rotina das conversações e diálogos.

Acreditamos que estaremos todos participando de um histórico processo de resgate cultural de uma das marcas relevantes, que nossos antepassados trouxeram do Marrocos às terras Amazônicas onde se estabeleceram.


Referências, bibliografias consultadas e principais entrevistas realizadas, cujos conteúdos foram utilizados na elaboração desta série de artigos “Haquitia: nosso dialeto quase perdido”:
a- Bendelac, Alegria Bendayan de – “Los Nuestros- Sejiná, Letuarios, Jaquetia y Fraja”- Un retrato de los sefaradies del norte de Marruecos a través de sus recuerdos y de su lengua (1860 – 1984), New York, USA, 1987.
b- Diaz-Mas, Paloma –  “Los Sefardies: Historia, Lengua y Cultura”, Barcelona, Espanha.
c- Elnecave, Nissim – “Los hijos de Ibero-Franconia: Breviario del Mundo Sefaradi desde los Origenes hasta Nuestros Dias”, Ediciones La Luz, Buenos Aires, Argentina, 1981.
d-  Bendelac, Alegria Bendayan de- “Diccionario del Judeoespañol de los Sefardíes del Norte de Marruecos”, Caracas, Venezuela, 1995.
e- Levy, Simon – “Judeo-espagnol et judeo-arabe marocains” en: “Essais D’Histoire & de Civilisation Judeo-Marocaines”, Centre Taryk Ibn Zyad & Faundation du Patrimoine Culturel, Judeo-Marocaine, Rabat, Maroc, 2001.
f- Benoliel, Jose – “Dialecto judeo-hispano-marroquí o Hakitia”, publicado como opusculos no Boletim da Real Academia Espanhola, no período de 1927 a 1952, Madrid, Espanha.
g- Bentes, Abraham Ramiro – “Os Sefardim e a Hakitia”, Mitograph Editora, Belém Pará, Brasil, 1981.
h- Benchimol, Samuel – “Eretz Amazônia: os judeus na Amazônia”, Editora Valer, Manaus, Amazonas, 1998.
i- Romero, Adriana dos Santos- “A Sobrevivência da Música Tradicional Sefardita dentro das Comunidades de São Paulo e Belém do Pará”- Tese de Mestrado apresentada à Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1999.
j- Laredo, Isaac – “Memórias de un Viejo Tangerino”, ediciones La Porte, 1935, reimpresso em Rabat, Marrocos, 1992.
k- Assayag, I. J. – “Tanger… Regards sur le passe”, Tânger, Marrocos, 2000.
l- Berdugo, Serge, Editor – “Les Juifs du Maroc – Images & Texts”, Editions du Scribe, Casablanca, Marrocos, 1992.
m- Aki Yerushalaim – “Revista Kulturala Djudeo-Espanyola”, Número 70,  Anyo 23, Jerusalém, Israel, Novembre 2002.
n- Entrevistas e/ou preenchimento de questionário da pesquisa,  realizados em diferentes oportunidades e citados em ordem alfabética:
      – Alves, Rubens José, Ashland, OR, USA
– Bengio, Bella Benchimol, Tânger, Marrocos.
– Bengio, Prof. Leon, Caracas, Venezuela.
– Benguigui, Abraham Moysés, Rio de Janeiro, RJ.
– Benguigui, Marcos, Belém, PA.
– Benguigui, Shalom, Rio de Janeiro, RJ.
– Bentes, Messody Serruya, Belém, PA.
– Benzecry, Jacob & Helena, Belém, PA.
– Dahan, Dr Isaac Shalom, Manaus, AM.
– Ohana, Elizabeth Abrahão, Atlanta, GA, USA.
– Rosenblatt, Sultana Levy, McLean, VA, USA.
– Fortunato & Marlene, Serruya, Santarém, PA.
– Tobelem, Reuven & Myriam, Bat Yam, Israel.
– Zagury, Salomão Benjamin, Rio de Janeiro, RJ.