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Família Sarraf – Bothebol

 

Origens

As origens judaicas da família Sarraf

O sobrenome Sarraf é de uma família de comprovada origem judaica sefaradita, sendo a mesma muito antiga e originária da cidade de Toledo na Espanha que conforme ensina Don Isaac Abravanel no seu comentário ao Livro dos Reis (Sêfer ha Melech) é uma cidade espanhola que foi fundada por judeus pertencentes as que se refugiaram na península Ibérica após a destruição de Jerusalém e o cativeiro do povo do Reino de Judá ocasionado pela invasão e conquista empreendida por Nabucodonozor, o rei da Babilônia.

Sendo tal fato a justificativa para o nome cidade ser Toledo, pois ele é derivado da palavra hebraica Taltelah que significa refugiado ou peregrino. Em Toledo a família Sarrafe era conhecida como Açarrafe.

De lá, quando começaram as primeiras perseguições da inquisição, parte da família imigrou para Portugal onde se estabeleceu nas cidades de Évora e Mogador-Essaouira. O sobrenome Sarrafe significa em árabe cambista ou banqueiro, pois esta era a atividade profissional exercida por várias gerações pelos ancestrais dessa família os Abengabay também de Toledo. Gabay é o equivalente hebraico do sobrenome árabe Sarraf.

A troca do S pelo Ç inicias presentes nas variações desse sobrenome se deve pelo fato de que nos nomes portugueses e espanhóis medievais eles e aram usados por terem o mesmo valor fonético e porque naquela época não havia regras gramaticais e ortográficas fixas para essas línguas, era por isso que por exemplo que o sobrenome hebraico antigo Ben-Asaias ou Ben-Asahiah se grafava em Toledo Abenaçaya, Açaya, Aça, Çaah, sendo esses sobrenomes que deram origem a Saa que se tornou S. O sobrenome Çapaia se tornou Sampaio; o sobrenome Çaragam se tornou Aragão; o sobrenome Abensanchez se tornou Çanchez que virou Sanches, e assim por diante.

Com a grande expulsão dos judeus sefaradim que não aceitaram o batismo forçado na igreja católica na Espanha em 1492 e em Portugal em 1497, muitas famílias se dividiram as que ficaram na península Ibérica deram origem aos judeus marranos, cristãos novos ou anussim que professavam o catolicismo abertamente em público, enquanto em suas casas praticavam o judaísmo.

Muitas dessas famílias acabaram se integrando as sociedades portuguesa e espanhola em duas ou três gerações. Os que não aceitavam o catolicismo partiram para outros países principalmente os da África do Norte (Tunísia, Argélia e Marrocos) onde foram bem recebidos e se integraram as comunidades judaicas lá existentes.

E entre essas famílias que se estabeleceram inicialmente em Gibraltar de onde migraram para os países do Mogrebh estavam os Açarrafe e Sarrafe.

Lá estabelecidos passaram a sofrer forte influência lingüística dos padrões onomásticos das línguas árabe e bérbere.

E devido a essas influências linguísticas, os sobrenomes Açarrafe e Sarrafe acabaram dando origem a sete formas variantes de sobrenomes para designar essa mesma família: Assaraf; Azeraf; Sarraf; Serrafe; Seraf; Benazeraf e Benazeref.

No final do século 19, os membros dessa família portadores dos sobrenomes acima citados, voltaram a se estabelecer na cidade de Gibraltar, que embora fique na Espanha, é um protetorado e base militar britânica, e lá transliteraram novamente seu sobrenome da lingua e alfabeto árabe-bérbere para uma forma padronizada passando a serem conhecidos como Serrafe.

E foi justamente um ramo desse grupo que imigrou do Marrocos para o Brasil no século 19 com um grande número de outras famílias sefaradim da África do Norte, vindo a se estabelecer na Amazônia.

Devido ao fato da maioria dos judeus imigrantes serem homens; eles por não trazer consigo mulheres acabaram se unindo a população cabocla e indígena da região norte do Brasil dando origem a milhares de descendentes mestiços, que inclusive hoje constituem mais de 16% da população amazônica, constituindo grupos de famílias dispersas pela floresta e pelos centros urbanos amazônicos de caboclos judeus, com nomes tipicamente judeus, morando em choupanas ribeirinhas.

Como já foi especificado, seu ancestral vieram do Marrocos, há 200 anos; e eram em sua grande maioria milhares de jovens que buscavam vida nova no Novo Mundo. Dos que são judeus praticantes do judaísmo nessas comunidades contam-se hoje em mais de 60 mil os judeus caboclos que mantêm vivas as tradições e leis judaicas.

Mas ao todo, se forem contabilizados todos os descendentes dos judeus sefaradim marroquinos que colonizaram Amazônia que praticam ainda alguma forma de judaísmo, o seu número já pode ultrapassar mais de 300 mil. Pois só para termos ideia, em 1999 foram contados um total de 283.859.

È importante também ficar registrado que o fluxo imigratório dos judeus sefaradim marroquinos para o norte do Brasil começara em larga escala a cerca de cinco décadas antes da independência do país, quando algumas centenas de cristãos novos foram trazidos da cidade de Mazagão, nodo Marrocos, por iniciativa do então ministro do rei D. José de Portugal, o famoso Marquês de Pombal, para colonizar o Pará.

Alguns de seus descendentes, retornados ao judaísmo, teriam se juntado ao pequeno grupo que chegou logo após a Independência para formar a primeira sinagoga. Dentro desse grupo já havia vários membros da família Sarraf.

De um modo geral, os judeus marroquinos que vieram para a Amazônia conseguiram se adaptar bem às novas condições. Os chefes dessas famílias isoladas na floresta serviam, também, de chazan e mohel, oficiava casamentos e brit-milot e, em sua casa, oficiavam-se os serviços de Rosh Hashaná e Yom Kipur, segundo relato de seus filhos e descendentes. E para esses judeus sefaraditas marroquinos, a família era o núcleo a partir do qual construíam sua judeidade em plena Amazônia.

A identidade judaica não era apenas profundamente enraizada, mas admitida com orgulho e alegria. E mesmo na ausência de rabinos, os eles zelavam pelo rigor ritual, principalmente nos funerais, incluindo os rituais da lavagem do corpo e providências para o enterro judaico tradicional.

Entre as primeiras famílias nas primeiras décadas de seu estabelecimento na Amazônia os mesmos cuidavam do ensino de hebraico para os jovens, das cerimônias de casamento e brit-milá, além do culto e das orações.

Além de procederem também consultas aos rabinos e chachamim (sábios) que permaneceram no Marrocos, dos quais ainda há muitos registros, como a da resposta a uma consulta feita por escrito solicitada pela comunidade paraense aos rabi Itzchak Ualid, grão-rabino e Av do Beit Din ou chefe do Tribunal Rabínico de Tetuan, no Marrocos e da qual foi encontrada uma cópia bem preservada que fora publicada em Livorno na Itália , entre os anos de 1855 e 1876.

A causas ou fatores principais que induziram a imigração das famílias dos judeus sefaradim do Marrocos para a região norte, tais como as famílias Gabay, Banjó, Levy, Amzalag, Sicsu, Shimon, Benessuly, Moyses, Elmescany, El-Madkouri, Barcessat, Athias, Maatoui, Emanuel, Joseph, Abraham, Saad, Cukierhorn, Muyal, Assayag, etc, e , no nosso caso específico Sarrafe ou Sarraf, foram:

  • 1º a guerra hispano-marroquina de 1870;
  • 2º a pobreza das comunidades judaicas no Marrocos, espalhadas pelas áreas de influência espanhola, como Tânger, Tetuan ou Casablanca, e árabe, como Rabat, Fez e Marrakesh e;
  • 3º a explosão da borracha como matéria-prima industrial que, efetivamente, atraiu milhares de aventureiros do mundo inteiro para a Amazônia, em busca das riquezas que jorravam dos seringais.

A maioria dos imigrantes judeus sefaradim do Marrocos casou com mulheres não judias e tipicamente amazonense, gerando famílias numerosas , cujos filhos quase sempre cresceram fora do judaísmo tradicional, e os não poucos que permaneceram vivendo embrenhados na selva, nas pequenas vilas amazônicas, onde constituíram famílias e seus descendentes são conhecidos, hoje, como os hebraicos, embora poucos guardem ainda as tradições de seus antepassados.

Atualmente a comunidade judaica tradicional de Belém conta com cerca de 300 a 400 famílias e a de Manaus, com 200 famílias, o que contabiliza cerca de 60 mil judeus praticantes, porem como ja foi explicado se forem acrescidos os descendentes de todos os judeus sefaradim do Marrocos que se estabeleceram na Amazônia, tais como os membros da família Sarraf esse número pode chegar a mais de 300 mil, pois só em 1999 foram contados 283.859 judeus-caboclos da Amazônia.

Contudo em pesquisa de investigação genética dos brasileiros feita pela Universidade Federal de Minas Gerais mostra que 16% da população da Amazônia que se declara branca tem algum judeu entre seus antepassados, o que calculando sobre os 14 milhões de habitantes atuais da Região Norte do Brasil dariam uma estimativa de cerca de 2.240.000 descendentes diretos de judeus sefaradim marroquinos no Brasil.

O que é uma proporção muito maior do que a exibida por São Paulo, onde vivem 60% dos 120.000 judeus praticantes do judaísmo tradicional, os judeus de sinagoga brasileiros, ou por Pernambuco, estado no qual essa cifra não supera 2%.

E a razão para haver tantos descendentes de judeus na Amazônia se deve ao fato de que nos primeiros anos do século XIX, praticamente só entraram no Brasil sefarditas do sexo masculino.

Os mais ricos conseguiram abrir lojas de secos e molhados em Belém e outras cidades da região. A maioria, porém, adotou a profissão de regatão, como é conhecido o caixeiro-viajante que troca mercadorias industrializadas por produtos da floresta, como látex e peles de animais.

Os regatões sefarditas só traziam a família para o Brasil ou se casavam com judias depois que acumulavam dinheiro. No meio-tempo, faziam como os portugueses e demais imigrantes passavam viver maritalmente com mulheres índias, caboclas e até mesmo mulheres brancas católicas dando origem a esses milhares de mestiços de sangue judeu, num processo semelhante a etnogênese do povo brasileiro a partir dos colonos judeus cristão novos ou marranos que vieram povoar o Brasil a partir do século XVI e deixaram assinatura genética judaica em mais de 80% dos brasileiros pela presença do haplótipo 9 no DNA dos brasileiros que possuem algum ancestral branco português e espanhol, assinatura genética essa que só é encontrada no Oriente Médio e só é transmitida por ancestrais judeus.

Mas, como a definição cultural de judeu pela Halachá, a lei religiosa judaica não segue integralmente a genética, só considerando como yehudim quem tem mãe judia e pratica a religião judaica ou quem se converteu ao judaísmo, por esse motivo, a maioria dos descendentes dos regatões sefaraditas não é reconhecida como parte da comunidade judaica local pelos membros das comunidades judaicas tradicionais porque a própria lógica da miscigenação fez com que os laços com a cultura hebraica fossem completamente perdidos nas gerações seguintes, não sabendo muitos sequer que descendem de judeus, alem de existir outros, que ainda que se digam judeus, praticam o cristianismo.

E dentro desses milhares de descendentes de judeus estão inseridos os diversos ramos da família Açarrafe: Assaraf; Azeraf; Sarraf; Serrafe; Seraf; Benazeraf e Benazeref. E é importante notar que dentro do conjunto das famílias judaicas sefaraditas, os Açarrafe e/ou Assaraf; Azeraf; Sarraf; Serrafe; Seraf;Benazeraf e Benazeref é a única que conseguiu preservar o radical ou parte principal e invariável da estrutura da palavra que constitui seu sobrenome por mais de 1300 anos, assim se conservando desde a época da dominação árabe-muçulmana na península Ibérica dos séculos VII ao XV, e até os dias de hoje.

A causa da preservação dessa estrutura fonética do sobrenome Sarraf e suas variantes por tantos séculos se deveu ao fato de que o sobrenome original Açarrafe ser proveniente da língua árabe, que por 800 anos foi a língua corrente e oficial da Espanha e Portugal e que por ser uma língua oriunda de povos semitas de regiões desérticas (como o hebraico, o aramaico, o etiópico, o acádico, etc) nas quais prevalecem palavras formadas com os fonemas R e S fortes, que não possuem outra equivalentes que o possam substituir facilmente na forma de transliteração, pois o seu som permanece geralmente e basicamente o mesmo em qualquer idioma.

Fontes Históricas

As fontes históricas e genealógicas onde foram pesquisadas a origem judaica do sobrenome Sarraf são as que se seguem abaixo especificadas:

1. Memórias Históricas e Arqueológicas do Distrito de Bragança, de Francisco Manoel Alves

2. Raízes Judaica do Brasil – Os Arquivos Secretos da Inquisição, de Flávio Mendes de Carvalho

3. Vínculos de Fogo, de Alberto Dines

4. Los Júdios en Portugal, de Maria José Pimenta Ferro Tavares

5. Registres Matrimoniaux de la Communiaute Juive Portugaise de Tunis (sécules XVI-XIX), de Robert Attal e Joseph Avivi

6. Lista dos Judeus Deportados pelos Nazistas da Ilha de Rhodes, de Marcelo Benveniste, Hizkia Franco e Abraham Galante

7. Enciclopedia Judaica Castellana, de Babani e Winfield

8. Os Judeus no Brasil Colonial, de Arnold Wiznitzer

9. A History of the Marranos, Cecil Roth

10. Sangre Judia, Pere Bonnin

11. Secrecy and Deceit: The Religion of the Crypto-Jews, David Gitlitz

12. Os Marranos em Portugal, Arnold Diesendruck

13. A Origem Judaica dos Brasileiros, José Geraldo Rodrigues de Alckmin Filho

14. Memorial Brasil Sefarad, de Yacov Da Costa.

15. Os Marranos e a Diáspora Sefaradita, de Hélio Daniel Cordeiro

16. Dicionário Sefardita de Sobrenomes, de Guilherme Faiguenboim, Anna Rosa Campagnano e Paulo Valadares

17. Um Caderno de Cristãos-Novos de Barcelos, de Luís de Bivar

18. Os Judeus em Portugal no Século XV, de Maria José Pimenta Ferro Tavares

19. Judeus – Os Povoadores do Brasil Colônia, de Elias José Lourenço

20. Primeira Comunidade Isrealita Brasileira, de Abraham Ramiro Bentes

21. História da Inquisição: Portugal, Espanha e Itália- Séculos XV- XIX, de Francisco Bitencourtt

22. Os Marranos Brasileiros, de Isaac Izecksohn

23. Apellidos Sefardies mas Frecuentes, de Paul Armony

24. Judeus e Inquisição na Guarda, de Adriano Vasco Rodrigues

25. Famillles Séfarades: histoires et généalogies, de Mathilde Tagger

26. Espanholes sen Patria y la Raz Sefardi, de Angel Pulido Fernandez

27. Histoire et Généalogye, de Lionel Levy

28. Lettre Sépharde, de Jcques Carasso

29. Erensia Sefardi ,de Alberto de Vidas

30. Memorial Brasil Sefarad, de Yacov Da Costa.

31. Les noms de Juifes du Maroc, de Abraham Isaac Laredo

32. Genealogia Hebraica de Portugal e Gibraltar dos Seculos XVII-XX, de José Maria Raposo de Souza Abecassis

33. Os Marranos e a Diáspora Sefaradita, de Hélio Daniel Cordeiro

34. Enciclopédia Judaica de Tel-Avive, vários autores

35. Um Caderno de Cristãos-Novos de Barcelos, de Luís de Bivar

36. Inquisição de Evóra dos Primórdios a 1668, de Antônio Borges Coelho

37. A Inquisição Portuguesa no Século XVII, de Antônio de Portugal de Faria.

38. Dicionário fenício-português :10 000 vocábulos das línguas e dialectos falados pelos fenícios e cartagineses desde o século XXX A.C., englobando o fenício, o acadiano, o assírio e o hebraico bíblico, de Moisés Espírito Santo.

39. El Descrucbrimiento de la Cultura Sefaradi , de Mario Cohen

40. Lista dos Moradores de Toledo Pré-Expulsão em 1492

41. Les Noms des Juifs du maroc, de Abrahan Isaac Laredo

42. Livorno e gli Ebrei dell Africa del nord nel Settecento, de Jean Pierre Fillipin

43. Los Hijos de Ibero-Franconia. Breviário del Mundo Sefaradi desde las Origenes hasta nuestros dias.

44. Los nombres de familia de los judíos sefradies de Salonica, de Michel Molho

45. Mariages juifs á Paris de 1793 à 1802, de Claudice Blamont.

46. Registres Matrimoniaux de la Communiaute Juive Portugaise de Tunis (sécules XVI-XIX), de Robert Attal e Joseph Avivi

47. Révue Circle de Généalogie Juive, de Claudie Blamont

48. Révue de Généalogie et d’Histoire Séfarades , de Laurence Abensur-Hazam

49. Subsídios para a História de Mogadouro. Os marranos de Vilarinho do Galego, de Cassimiro Morais Machado.

50. Eretz Amazônia , de Samuel Benchimol

51. Os Judeus do Eldorado – a imigração dos judeus marroquinos e do norte da África para o Brasil, durante o século XIX, de Reginaldo Jonas Heller

Histórico Familiar

Meu Avô, um Legítimo Judeu Marajoara.

Fazer parte e contar a história da família Sarraf é mais do que uma satisfação, é um sonho que vem amadurecendo desde a minha infância. A curiosidade pela origem do sobrenome “Sarraf” nasceu nessa época, quando era comum eu ouvir: “Sarraf? Diferente, né? De onde é?”. Mais curioso ainda era a resposta dada por meu pai, meu avô e outros familiares: “É judeu! Somos
judeus e ela (no caso, eu, ainda menina) é descendente de judeus”. Aquilo me fazia entender que o judaísmo era muito mais do que uma religião! Era uma nação, uma cultura, uma tradição, um povo, do qual eu, como descendente, deveria me orgulhar.

Meu avô Elias, era filho de Jacob Samuel Sarraf e Lea Bothebol. Jacob, assim como o pai, Samuel, era paraense, porém sua mãe, Mercedes Bentolila, era marroquina. Léa era filha do marroquino Simão Amor Bothebol e da cearense Altina Maria da Conceição. Todos eram judeus, inclusive Altina, que era convertida. Samuel, apesar de ser brasileiro, era filho de um
marroquino e uma judia brasileira, Abraham e Elisa. Já sobre a família materna de meu avô, sabe-se pouco… além da sua nacionalidade e religião, sabe-se que seu avô Simão faleceu com aproximadamente 103 anos em Belém, porem não sei se ele casou com Altina no Pará ou no Ceará, nem onde minha bisavó Lea nasceu.

O fato é que Jacob e Lea se encontraram, casaram e formaram família no Rio Jaburu, interior de Breves, no Marajo. Dos filhos de Samuel, que se tem conhecimento, Jacob é o que tem o maior numero de descendentes: 12 filhos, 9 homens e 3 mulheres, entre eles, Elias, meu avô, que foi o sétimo da prole. Seu Brit Milá foi feito por Jacob Gabay, que além de ser o judeu mais
rico e prospero da região, também era o que tinha maior conhecimento nos rituais religiosos do judaísmo.

Na época em que meu avo nasceu, 1932, a borracha amazônica estava passando por uma desvalorização, provocada pela concorrência com a borracha produzida nos seringais plantados pelos ingleses na Malásia, no Ceilão e na África tropical com sementes oriundas da própria Amazônia, porém, diferente da maioria das famílias judaicas que voltaram para Belém,
Jacob e Lea permaneceram em Breves, aumentando a família e criando seus filhos dentro da tradição judaica. Meu avô, portanto, é um legítimo judeu marajoara de sangue marroquino, do qual herdou a cor branca da pele, os olhos cor de mel e o porte maior do que os padrões do nativo caboclo paraense.

Vovô foi alfabetizado em casa, aprendeu a ler e escrever com auxilio de um paleógrafo e conseguia fazer suas anotações sem escorar a mão no papel, apoiando apenas o punho, como se faz quando se usa caneta tipo tinteiro. Muito curioso, aprendeu a reconhecer os tipos de madeira e qual sua utilidade, cubar (medir) as toras brutas retiradas da floresta e transformalas em peças (dormentes, ripas, pernamanca, tábuas,…), além de mecânica, marcenaria, manutenção de máquinas e motores, tudo sem nunca ter frequentado qualquer curso formal.

Por causa disso, teve vários tipos de emprego.

Meu avô me contava que quando era jovem, vinha para Belém, visitava o avô Simão, que morava na Rua Manoel Barata. De lá, ele iam caminhando para Sinagoga Essel Abraham, acompanhar o shabat ou alguma festividade judaica. Sua preferida era o Rosh Hashaná, que sempre acontecia em período próximo ao Círio de Nazaré e, por isso, a cidade ficava muito festiva. Porem, a mais respeitada, sem duvidas era o “Kippur”, tanto que foi celebrada por meu avô e seus irmãos até 1989, quando sua mãe faleceu.

A mãe de meu avô tinha uma personalidade forte e era chamada de braba devido ao rigor com que educava os filhos. Por isso, a mocidade dos jovens judeus trouxe um grande desgosto para a matriarca: Ver seus filhos formarem família com conjugues não-judeus. Ela não permitia que os filhos casassem fora da religião judaica, assim, a maioria somente formalizou a união muitos
anos depois, através do casamento civil. Meu avô foi um deles e casou-se com minha avó, Raimunda Costa Nery, filha do seringueiro Raimundo Nery e d. Alice Costa, ambos de famílias locais, 6 anos após se unirem, com 3 filhos nascidos e minha vó gravida da primeira filha.

Minha avó era católica e devido às dificuldades no nascimento do primeiro filho, prometeu a São Benedito (padroeiro da cidade de Gurupá) que daria seu nome ao filho, caso ela e a criança sobrevivessem ao parto. Assim, para não fugir da tradição de sua família e ao mesmo tempo, honrar a promessa de minha vó, nasceu Jacob Benedito, o filho primogênito de Elias e
Dica, como d. Raimunda era chamada carinhosamente. Depois vieram Jaime (meu pai), Mensol, Marlene, Júlio, Jones, Jaires e Caroline. A família também teve a infelicidade de perder um casal de filhos, Marilene por afogamento, e Manoel, natimorto. Ao todo foram 10 filhos!

A mudança de Breves para Belém, em 1973, é relatada por meu pai: “Desde quando morávamos no interior o papai dizia que um dia, os filhos iam estudar em Belém. Ele, o papai sofreu acidente na serraria, veio pra Belém para tratamento. O tio Messod, convidou para vir embora, e o tio David deu a moradia. O trabalho era uma fábrica de móveis, na Pedreira. Mas
era fraco, foi então que ele ficou fazendo bico, ele e tio Abraão, eu e o Jacob, nós acompanhávamos eles. Foi aí que o Nascimento soube e convidou ele pra vir para o Moju”.

Messod e David eram irmãos do meu avô que já moravam em Belém. Já o senhor Joaquim Nascimento tinha sido proprietário de uma serraria de madeira em Breves, para quem vovô já havia trabalhado e que o convidou para reformar e adequar outra indústria do mesmo ramo, mas na Comunidade Luso-Brasileiro no interior do município de Moju, região do Baixo Tocantins no ano de 1977. Minha avó ficou com os filhos em Belém, e vovô Elias foi montar e equipar a empresa, onde, após a conclusão da instalação, continuou trabalhando.

No ano seguinte, meu avô arrendou a serraria, chamando-a de Vila Nova, levando meu pai para trabalhar na parte administrativa. Ainda em 1978, meus pais se casaram e foram residir em Moju, onde construíram sua primeira casa. Desde essa época, vovô morou com meus pais e junto com eles, esperou a minha vinda. Nasci em Abril de 1979, logo após a Festa de Pessach, fui a primeira neta e por isso carreguei por muito tempo a “missão” de ser a primogênita. Meu avô sempre nos lembrava, a mim, minha irmã e meus primos, que como primeira neta, eles me deviam respeito e eu tinha que ser bom exemplo para eles. Meus primos (meninos) reclamavam, mas a resposta era sempre: “Ela nasceu primeiro!” e assim acabava qualquer
polêmica.

Em 1982, quando o negocio da madeira fechou, meu avô foi trabalhar na empresa SOCOCO S/A, que estava se instalando em Moju. Meus pais já tinham saído do interior e ido para cidade, pois meu pai havia sido eleito vereador no município. Ao deixar a empresa, vovô veio trabalhar na cidade, ora com meu pai, ora por conta própria, ora no serviço publico. Ele viveu
em casa até os meus 18 anos, pois trabalhando em Moju, só ia a Belém nos fins-de-semana.

Lembro com muito carinho dessa época, pois ele era uma pessoa alegre e disposta, um avô que escondia as travessuras dos netos e da filha caçula, que tem a mesma idade que eu. Seu sonho era ver os netos e os filhos, que ainda eram solteiros, formarem-se e serem “doutores”. Adorava contar historias e acontecimentos engraçados. Exagerava nos fatos, o que lhe rendeu
o apelido de “Jaca Paladium”, personagem mentiroso de um programa infantil. Mas, suas mentirinhas eram inocentes e todos nós sabíamos que era para deixar os causos mais interessantes. Sua alegria só ficava nostálgica quando lembrava dos parentes já falecidos e sepultados em Breves, dizia que sua vontade era “voltar lá e mandar por um pedra bem bonita na sepultura deles”.

Foi de tanto ouvir historias e de ser ensinada que “eu era descendente de judeus”, que me interessei pelo judaísmo, sempre perguntando ao meu avô maiores esclarecimentos que ele não conseguia me dar. Sua resposta era “Quando você quiser te levo na sinagoga e o rabino te explica”. Até que, um belo dia, quando tinha 19 anos, respondi: “Tudo bem! Quando vamos?”.

Vi os olhos do sr. Elias brilhar… pela primeira vez, em duas gerações, alguém se interessou pela religião e história da “sua família”. Sua satisfação era perceptível!

No sábado seguinte, ele foi me buscar, pontualmente às 15 horas pegamos um ônibus e seguimos para a sinagoga da rua Campos Sales, no caminho, ele ia me contando as lembranças da mocidade de quando frequentava aquele templo. A porta, meu avô tirou um lenço branco do bolso, amarrou as pontas para que o acessório parecesse com o kipá, ao adentrarmos fomos recebidos por um senhor que ofereceu um kipá de verdade para meu avô e me mostrou de onde poderia assistir a celebração. Eu não entendia nada daquele ritual, mas vi o meu avô feliz.

Na saída, ele me apresentou o homem que nos recebeu e disse que eu era sua neta e tinha interesse em conhecer a religião judaica. O homem, muito solicito, esclareceu que o rabino estava na sinagoga Shaar Hashamain e nos convidou para que no próximo sábado comparecêssemos ao shabat lá naquele templo, pela manhã, para conversarmos. Quando já nos despedíamos, chegou o rabino Moysés Elmescany e de imediato simpatizei muito com sua cordialidade.

No sábado seguinte, fomos eu e meu avô para mais um shabat, já mais ambientada, pois eu tinha me preparado. No mesmo andar do prédio onde eu morava, no fim do corredor, morava também uma família de judeus, sr. Jacob e d. Alegria, e eu gostava muito de brincar com seus filhos deles, as crianças Ana Sarah, Esther e Mauricio Elias. Foram eles que me orientaram,
numa noite em que, ao deixar as crianças em casa, comentei que tinha ido a sinagoga e que pretendia continuar frequentando.

No terceiro sábado, ao sairmos da sinagoga, meu avô me disse: “Você vai ser doutora e se casar com um judeu”. Respondi que não sabia e perguntei se ele estava gostando de vir à sinagoga. Ele me respondeu que gostava muito, que se sentia mais perto dos seus pais e de sua família, quando estava ali. Falou também do seu orgulho em me ver interessada no “nosso povo”, se referindo ao judaísmo como uma característica da Família Sarraf. Contou-me que sempre ia ao cemitério israelita e que estava devendo uma visita lá e finalizou dizendo que quando morresse, queria ser sepultado perto de seus pais.

Sua profecia sobre meu futuro se realizou em partes, formei-me em medicina veterinária, porém não me casei com um judeu, como era a vontade dele. Depois desse fim de semana, meu avô não pode mais me acompanhar, ele sofria de artrose nos joelhos e o arqueamento das pernas, pioravam as dores. Além disso, a depressão estava, silenciosamente, tomando conta de sua mente.

Mas, continuei indo a sinagoga todos os sábados. Li vários livros, perguntei inúmeras coisas ao rabino e a meu vizinho Jacob, que me recebia na sua casa as sextas-feiras para o início da celebração do shabat e a benção do vinho – o kiddush. Fiz amigos na sinagoga que também me ajudavam a entender o que era cada objeto, cada parte do ritual e principalmente o que é “SER JUDEU”. Meu avô estava feliz em me ver, cada vez mais, envolvida com o seu “mundo”, aquele onde ele nasceu e se tornou homem.

Tudo ia bem até o fatídico fim de semana de junho, em 2001, quando a depressão levou meu avô. Num sábado, ele se envenenou e foi levado às pressas para o Pronto-Socorro. A família não fazia ideia do que estava acontecendo até o médico dar o diagnóstico: Intoxicação por Organofosforado. Eu, depois do shabat, deixei o telefone celular em casa, carregando a
bateria, e fui cumprir a “missão” de ser a mais velha, levando duas primas (por parte de mãe) para festa junina da escola delas. Apenas no domingo de manhã, tomei conhecimento do ocorrido.

O desespero tomou conta de mim. Embora as notícias fossem de que ele estava estável, algo em meu coração alertava que ele não sobreviveria. Acordei minhas primas e mandei-as para casa de outros parentes. Liguei para minha mãe, que estava em Moju, e pedi que viessem a Belém. Meu pai não queria, pois não aceitava que o pai tivesse tomado tal atitude. Fui enfática: ele vai morrer!

Pouco depois, atendi minha irmã aos prantos no telefone, informando da partida de meu avô. Foi uma dor dilacerante…. Meus pais estavam a caminho de Belém e minha mãe recebeu a notícia durante a viagem. Minha irmã já estava em casa quando eles chegaram, a mesa estava posta para o almoço e meu pai sentou, se serviu, enquanto minha mãe ensaiava para dar a notícia. Coube a mim, ir ao ponto sensível e dizer: “Pai, ele não resistiu”. As lagrimas enchem meus olhos ao descrever essa lembrança.

Sem almoçar, meu pai saiu da mesa e correu para o Instituto Medico Legal, onde estava o corpo sem vida do meu querido vovô Elias. Foi lá, que após a chegada dos demais filhos, chamei meu pai e falei do desejo de meu avô de ser enterrado como judeu. Meus tios protestaram, diziam desconhecer essa vontade ao que respondi de forma mal-educada “Vocês nunca se interessaram em conhecer a religião dele. Eu é que ia a sinagoga com ele e via o quanto ele ficava feliz”.

Passado o choque, coube a meu pai usar da diplomacia e convencer os irmãos. Apesar dos protestos, todos concordaram em atender seu pedido, já que não tinham como contestar o que eu dizia. Então, fiquei incumbida de procurar o rabino e os responsáveis pelos sepultamentos no Centro Israelita do Pará, que com a ajuda do sr. Jacob, meu vizinho, conseguimos contatar. Uma comissão de judeus foi examinar o corpo de meu avô e constataram se tratar de um homem judeu.

A partir daí, ele foi transladado para necrópole israelita, onde passamos a noite e recebemos os familiares e amigos. Percebi o orgulho dos irmãos de meu avô, apesar da tristeza. Meu tioavó Messod relatava, saudoso, suas lembranças das cerimonias de brit milá, na casa de Jacob Gabay, no interior de Breves. E minha tia Elisa, com o mesmo temperamento bravo da mãe, dizia: “Ainda bem que chamaram os judeus, ainda bem!”.

No dia 11 de junho, uma segunda-feira, meu avô foi sepultado, perto dos seus pais, dos seus avós Simão e Samuel, do seu tio Júlio, de sua tia Simi e outros parentes das famílias Bothebol e Sarraf. Ele se foi, mas sua vontade foi feita e me orgulho muito de tê-la defendido, apesar das criticas, pois sei que de onde ele estiver, estará feliz por ter nascido e morrido Judeu, apesar
de ter se perdido, em alguns momentos, pelos caminhos ao longo da vida. Quanto a mim, continuei meus estudos e frequentando a sinagoga até me formar, em 2002.

Depois voltei para Moju, em busca do primeiro emprego, mas, mesmo morando e trabalhando no interior, sempre procurava a sinagoga quando ia a Belém. Foi quando entendi o quanto deveria ter sido difícil se manter judeu em vilas e localidades no interior, de acesso difícil, com pouca comunicação, longe dos templos e das escolas que pudessem dar aos jovens uma formação judaica, e principalmente, sem outras famílias judias com quem pudessem conviver.

Entre tantos aprendizados sobre o judaísmo, descobri que teria que passar por um processo de conversão, pois minha avó e minha mãe não eram judias. E apenas pode ser considerado judeu, aquele que nasce de um ventre judeu, o que não era meu caso nem de meu pai. Apesar da decepção, fiquei feliz, pois essa descoberta me fez concluir que as irmãs e primas de meu avô pariram legítimos judeus e mesmo sem saber, as filhas e netas dessas mulheres também estão gerando novos judeus. Portanto, ainda há esperança de que algum dos Sarraf’s e Bothebol’s faça a sua Aliyah e volte a ser parte do povo de Israel, como eu, um dia, ainda quero fazer.